O aperfeiçoamento da tecnologia ADAS (Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista, na sigla em inglês) é de extrema importância para a eficiência dos dispositivos e sistemas que tornam a condução automotiva mais segura e responsiva. Esse é o foco do “Projeto e Desenvolvimento Integrado de Funções de Segurança Assistida ao Condutor e Ambiente para Veículos Autônomos (SegurAuto)”, em execução no âmbito da Linha V – Biocombustíveis, Segurança e Propulsão Veicular do programa Mover, coordenada pela Fundação de Apoio da UFMG (Fundep).
De acordo com o coordenador-geral do projeto e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), João Justo, existe uma demanda crescente por segurança no mercado automotivo nacional: o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito em todo o mundo, posicionado atrás da Índia e da China. “O projeto visa aumentar a segurança no trânsito e na condução veicular por meio de sistemas de alerta, de auxílio ao motorista e de redução de danos pessoais e materiais, minimizando riscos de acidentes. Para além disso, destacamos que o desenvolvimento de funções ADAS traz avanços tecnológicos fundamentais, que caminham rumo a uma forte tendência do setor, que é a direção autônoma”, explica.
As mortes nas vias e estradas brasileiras, que vinham caindo desde 2014, de acordo com os últimos dados consolidados pelo Ministério da Saúde, voltaram a crescer em 2021 e 2022, com número comparativos aos dos países em guerra. Em 2021, foram registradas 33.815 mortes no trânsito no país, mais do que em 2020 (32.716) e em 2019 (32.667) – os dados referentes a 2022 ainda estão sendo levantados. Com isso, aumentaram também os custos do Sistema Único de Saúde (SUS) em razão das despesas médicas e hospitalares geradas pelas ocorrências nos deslocamentos.
“A situação é preocupante e, por isso, estamos buscando alternativas para desenvolvimento e implementação de sistemas ADAS”, destaca o coordenador associado do projeto e professor do ICMC (Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação) Fernando Osório. Ele informa que os principais ADAS considerados são: ACC, ESC, FCW, PD, AEBS, LDWS, LKAS, APS, CAACC.
Confira os ADAS em desenvolvimento e aperfeiçoamento no projeto SegurAuto:
ESC – Controle Eletrônico de Estabilidade (Electronic Stability Control);
FCW – Aviso de Colisão adiante (Forward Collision Warning);
PD – Detecção de Pedestres (Pedestrian Detection);
AEBS – Frenagem Automática de Emergência (Advanced Emergency Braking Systems);
LDWS – Aviso de Afastamento de Faixa de Rodagem (Lane Departure Warning System);
LKAS – Assistência a Manutenção de Faixa (Lane Keeping Assistance System);
APS – Assistência de Estacionamento Automático (Automatic Parking System);
CACC – Assistência de condução em comboio (Cooperative Adaptive Cruise Control / Platooning).
Funcionalidades e base tecnológica
Atualmente, o sistema ADAS oferece uma série de funcionalidades, tais como a regulação de velocidade autonomamente, considerando a velocidade do veículo que segue à frente, frenagem autônoma, alertas sobre mudança de faixa e correção da direção, presença de obstáculos no ponto cego do veículo, dentre outras.
O SegurAuto reúne quatro ICTs e oito empresas do setor, totalizando 12 parceiros que concentram suas equipes no desenvolvimento de diversos equipamentos e dispositivos tecnológicos, como câmeras de vídeo (monoculares e estéreo) e de sistemas de visão computacional para a detecção de obstáculos, pedestres, bordas de pista, marcações de pista e sinalizações; radares comerciais automotivos para a detecção de obstáculos e pedestres; sistemas computacionais de alto poder de processamento, capazes de obter resultados em tempo real (soft real-time) e serem embarcados em veículos; protótipos e sistemas de teste em veículos de pequeno porte (em escala); e protótipos e sistemas de teste em veículos de grande porte e em sistemas HIL (Hardware-in-the-Loop). Além disso, o trabalho envolve a realização de coletas de dados, desenvolvimento de datasets e de experimentos práticos relacionados à implementação de funções ADAS.
Os sistemas ADAS são originalmente desenvolvidos fora do Brasil, apresentando muitas dificuldades e desafios para sua incorporação nos veículos brasileiros. Segundo o coordenador associado do projeto e professor da Universidade de Brasília (UnB), Evandro Teixeira, a adaptação dos sistemas à realidade nacional é um dos desafios do SegurAuto. “São diversas as contribuições científicas, tecnológicas e inovações advindas da pesquisa, que leva em consideração as particularidades da malha viária brasileira para desenvolver funções ADAS mais responsivas e eficientes ao nosso contexto”, diz.
Comprometida em reduzir o número e a gravidade dos acidentes, a Renault é uma das empresas parceiras do SegurAuto, contribuindo com compartilhamento de dados, tecnologias para adaptação e testes de falha e exercícios em longa escala em veículo da marca equipado com os dispositivos prototipados. A empresa, que conta com o “Programa Human First”, desenvolvido em conjunto com pesquisadores, especialistas e bombeiros, designou um laboratório e uma equipe para atuação no projeto, coordenada por Igor Woitexen, engenheiro especialista em ADAS.
De acordo com ele, as equipes formam um ecossistema em que a indústria leva para as universidades os desafios e as necessidades reais do mercado e as equipes acadêmicas trazem os meios mais propícios para se promover a inovação. “Para a Renault, a inovação é muito importante, pois sem ela não conseguimos alcançar a disrupção de tecnologia. Mas, na indústria nada se faz sozinho, porque a tecnologia é uma inteligência coletiva. É preciso uma visão tridimensional para atuar nesse mercado”, afirma.
Competitividade das indústrias brasileiras
Os carros europeus são superiores em tecnologia ADAS, entretanto podem não apresentar o desempenho esperado nas vias brasileiras por estas serem completamente diferentes daquelas onde os sistemas foram fabricados. “Temos um ambiente tropical com incidência solar e pluviosidade diferentes do que é registrado na Europa. Não adianta seguir a legislação comum a outros países, a exemplo da convenção de Viena, se não temos aplicabilidade em solo brasileiro. Então, é preciso trazer o mesmo avanço tecnológico no contexto do nosso país. Além disso, o Brasil é um país diverso, com sinalizações diferentes em cada estado, apesar de o código de trânsito brasileiro estar seguindo a convenção de Viena. Os sistemas precisam, portanto, se adaptar, a fim de alcançarmos nosso objetivo, que é aumentar a segurança”, aponta Woitexen.
Como afirma o engenheiro especialista da Renault, o ADAS pode acoplar uma série de sensores e dispositivos, como beeps, frenagem, controles de velocidade autônoma, sistemas que mantém o veículo na faixa e outros que, além de apresentarem eficiência, precisam ser “amigáveis” ao condutor. “Muitos desses sistemas podem ser ativados ou desativados pelo condutor se eles passarem a atrapalhá-lo ou incomodá-lo, afetando seu desempenho e funcionalidade, que é trazer mais segurança ao trânsito. Por isso, nosso objetivo não é refazer os sistemas ADAS, mas recalibrar a sua sensibilidade para que eles entendam o contexto Brasileiro”. Woitexen ressalta que, para a indústria, o mais interessante é criar uma empatia para que o condutor consiga usar o sistema ADAS de forma segura e confortável. “Nós nos preocupamos com a altura do beep e com o alarme no momento certo, por exemplo. Nisso entra a nossa engenharia, que concentra esforços em alcançar um nível ideal de adaptabilidade desses sistemas à realidade das vias brasileiras e com o mesmo nível de confiabilidade daqueles desenvolvidos em outros países”, afirma.
Há 35 anos, a Vector Brasil tem sido parceira da indústria automotiva no desenvolvimento de sistemas eletrônicos e, hoje, integra a equipe de desenvolvimento do SegurAuto. Para o engenheiro de aplicação de campo da empresa, Antônio Crespo, a evolução de tecnologias que auxiliam na equiparação técnica da engenharia brasileira com os grandes polos globais de pesquisas automotiva é de grande relevância para o mercado nacional. Segundo ele, apesar de não desenvolver diretamente componentes dos sistemas ADAS, o feedback quanto à experiência no uso das ferramentas compartilhadas com o projeto são de grande valor para a melhoria contínua dos produtos.
“Temos contribuindo com treinamento e suporte técnico na utilização de nossas ferramentas de engenharia durante o desenvolvimento e validação dos sistemas propostos pelo projeto SegurAuto. Nossas soluções, como dataloggers de alto desempenho e softwares de simulação dinâmica e de redes, possibilitaram que os participantes tivessem em mão tecnologia de ponta na indústria automotiva para implementar sistemas de condução assistida”, informa Crespo. Um dos maiores ganhos ao participar do projeto, segundo ele, está em ampliar o relacionamento com as empresas parceiras e com a academia. “Esta proximidade nos auxiliará na realização de projetos futuros, multiplicando, assim, os conhecimentos desenvolvidos e possibilidade de negócios para todos os apoiadores”.
De acordo com Justo, o projeto contribui para o fortalecimento dos centros de desenvolvimento especializados nas diferentes regiões do país e da relação entre as universidades e as empresas do setor automotivo, que propiciam um ecossistema favorável aos avanços tecnológicos advindos com o desenvolvimento do projeto. Além disso, propicia a formação e inserção de novos profissionais a partir da incorporação de bolsistas de formação do projeto para aumento do corpo técnico das empresas.
Formação profissional
Outro benefício trazido pelo SegurAuto, na visão de Crespo, é a formação técnica de profissionais com uma visão mais próxima do mercado, capazes de identificar tecnicamente as necessidades locais e desenvolver sistemas automotivos mais avançados e adaptados à realidade. “Isso vai nos trazer maior demanda por ferramentas modernas, como as ofertadas pela Vector ao SegurAuto”, diz.
Evandro Teixeira afirma, ainda, que as inovações alcançadas ao longo do trabalho agregaram maior maturidade às equipes, possibilitando colaborar com outras iniciativas e projetos de pesquisa em funções ADAS envolvendo desenvolvimento e integração de sensores e componentes nacionais. Vale destacar que a mesma equipe do SegurAuto será responsável pela execução de outro projeto na área de segurança veicular, aprovado na Chamada Pública de projetos estratégicos da Linha V do Programa Rota2030, o “Projeto, implementação e testes de componentes e dispositivos para o desenvolvimento de sistemas de assistência à condução (SEGCOM)”.
Desdobramentos e próximos passos
Além da formação humana e da contratação de bolsistas do projeto por empresas do setor automobilístico, Teixeira destaca como principais resultados, até o momento, a incorporação, por parte de algumas empresas parceiras, de técnicas e metodologias que a equipe do projeto tem desenvolvido, as publicações científicas nas principais conferências da área automobilística, bem como em periódicos indexados, e a submissão de quatro pedidos de patentes de técnicas desenvolvidas no projeto. “Estas patentes visam, em particular, proteger a propriedade intelectual desenvolvida no projeto, além de trazer maior segurança jurídica na utilização por parte das empresas parceiras”, explica.
“Também destacamos as competências adquiridas e os resultados práticos, uma vez que a equipe do projeto adquiriu equipamentos sofisticados, desenvolveu softwares e ferramentas de simulação, gerou coleções de dados, que são de grande relevância para os estudos de funções ADAS”, acrescenta o professor. Também foram realizados testes com sistemas de radar automotivo, de câmeras (incluindo par estéreo), de sistemas de processamento embarcado de alto desempenho, de simulação em plataformas (Vector CarSIM, Matlab, Carla), e em plataformas (em escala e em veículos reais). Sistemas de aquisição de dados (reais e simulados) também foram desenvolvidos. “Iniciativas como esta, em médio e longo prazo, irão contribuir para a melhoria do produto automotivo e, consequentemente, com o aumento da competitividade da indústria nacional”, finaliza Justo.
SOBRE A LINHA V
A Linha V – Biocombustíveis, Segurança e Propulsão Veicular tem como diretriz a eletrificação do powertrain veicular para a alta eficiência energética, a utilização de biocombustíveis para a geração de energia e a adequação do contexto brasileiro de infraestrutura de abastecimento. A partir da aliança entre os principais atores que representam o conhecimento do setor (empresas, entidades representativas e Instituições de Ciência e Tecnologia – ICTs), serão habilitadas as competências necessárias para capacitar a cadeia automotiva.
A Fundep é a coordenadora da Linha V. A Coordenação técnica é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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